Baralhos!!! Origem, história e curiosidades em entrevista com Cláudio Décourt, especialista e colecionador. Terceira parte.

Terceira parte:
25 – Quantos e quais tipos de baralhos são de seu conhecimento?
– “Quando o baralho chegou a Europa, na Itália e Espanha, se espalhou rapidamente por praticamente todos os países europeus (e daí para o resto do mundo). Cada nova região que conhecia este instrumento desenvolvia novas maneiras de usá-lo, inventando não só novos jogos, como inseria mudanças no desenho gráfico das cartas, embora mantendo sua estrutura original. Estas variações caracterizaram vários tipos de baralhos ‘regionais’, em toda a Europa. Estes baralhos eram basicamente usados para jogar, sendo assim caracterizados como modelos ‘standard’, isto é, ‘padrões’. É difícil saber exatamente quantos baralhos standard chegaram a ser desenvolvidos. No final do século 19 sabia-se da existência de cerca de 150 tipos, mas muitos haviam desaparecido. Atualmente este número tem diminuído, tendo em conta a diminuição da tradição de jogos regionais; cerca de talvez não mais que 40 tipos ainda existem, sendo ainda fabricados regularmente por fábricas tradicionais, cerca de uns 10 modelos. Embora seguindo o mesmo padrão básico de desenho, cada fabricante colocava um ‘molho’ especial no baralho que produzia. Por outro lado, jogos ainda populares (como pôquer, bridge, skat, etc.) usam variedades do padrão internacional de baralhos, produzidos em todo o mundo em grandes quantidades. Além destes baralhos standard encontramos a edição de baralhos que tem outros objetivos, como publicidade, turismo, mágica, etc., fabricados em todo o mundo em variedades e quantidades muito grandes. É impossível saber quantos tipos e desenhos diferentes existem. Alguns catálogos mostram dezenas de milhares! Quem quiser colecionar baralhos tem muito material para compor sua coleção”.
Desenho do famoso pintor catalão Salvador Dali, em baralho editado em 1967 na França.
26 – Quantos tipos de jogos de baralho são de seu conhecimento?
– “David Parlett, um dos maiores especialistas mundiais em jogos com cartas, define 24 tipos ou famílias básicas de jogos usando este instrumento. Descreve em seu ‘The Penguin Book of Card Games’ cerca de 300 jogos diferentes, sem contar variações regionais ou atribuídas a pequenos grupos. Sem dúvida este é o mais versátil instrumento de jogo conhecido, com o qual se pratica uma variedade muito grande de jogos e suas variações.”
27 – Porque alguns jogos de cartas não são considerados jogos de baralhos? Por exemplo: o jogo do Mico é constituído por um conjunto de cartas, não sendo um considerado jogo de baralho. É isto mesmo?
– “Pelo conceito de baralho que apresentei em resposta a 2ª questão, fica claro que baralhos são constituídos por uma sequência de cartas em série (do ás ao 10, com três figuras, também em hierarquia de valores, por exemplo), agrupadas em conjuntos homogêneos que denominamos naipes (normalmente quatro). Jogos de cartas como Mico Preto, embora formado por um conjunto de cartas, não obedecem a estrutura de naipes e valores sequenciais seriados que caracterizam os baralhos. Outro exemplo são as cartas usadas em “Magic the Gathering”, popular jogo criado em 1993 pelo matemático Richard Garfield. Embora reunidas em conjuntos de cores, também não seguem o agrupamento típico dos naipes usados em baralhos. Temos ainda os quartetos, ainda utilizados na Europa e muito populares no Brasil na década de 1930, fabricados então pela Companhia Melhoramentos. O jogo consistia em associar membros de uma mesma “família”. Também aqui existem cartas, mas não um baralho.”
28 – Tem algo a dizer sobre esportes da mente, como pôquer e bridge?
– “Pôquer e bridge são, mundialmente, os mais populares jogos com cartas. O bridge, na verdade, remonta ao princípio das ‘vazas’, que caracterizava o jogo primitivo praticado pelos mamelucos, que deram origem ao baralho europeu moderno. Sua estrutura de jogo é a mais fiel e adequada à forma como conhecemos o baralho, atualmente. Não por outra razão é considerado o ‘xadrez’ do baralho! O pôquer apresenta uma estrutura de jogo menos sofisticada sob o ponto de vista de ‘carteado’, mas exige de seus praticantes estratégias que cobrem uma gama extensa de atributos pessoais, como inteligência, astúcia, simulação, etc. Depende, como dizem os especialistas no tema, muito mais da cabeça, que das cartas… Mas quem sou eu para falar de pôquer com gente que entende bem mais deste jogo.”
29 – Outros jogos de baralho poderiam ser considerados esportes da mente?
– “Os jogos usando baralhos podem ser classificados, genericamente, em ‘jogos de sorte’ e ‘jogos de habilidade’ ou ‘da mente’, como você os designa. De todas as inúmeras variedades conhecidas podemos equilibrá-las entre estas duas categorias. A maioria dos jogos de ‘vasas’ (como o bridge) são mais ‘da mente’ do que dependente da sorte. Jogos da família do ‘Rummy’ (como Pif Paf, buraco, etc), caracterizados por formarem conjuntos de cartas, dependem mais da sorte em tirar boas cartas, o que não elimina certa astúcia e raciocínio de quem os pratica. Outro conjunto importante de jogos é formado pelo tarô, muito conhecido como uma forma de prever o futuro, mas que foi, na verdade, desenvolvido para jogos normais; na França, por exemplo, existe uma associação de jogadores de tarô. Também é um tipo de jogo em que a mente supera a sorte. Um jogo chamado Eleusis, inventado em 1959 por Robert Abbott, praticamente independe da sorte. Seu objetivo é, essencialmente, determinar qual a regra específica se está usando naquela determinada partida. Talvez seja o mais cerebral de todos os jogos, embora pouco conhecido e praticado. Como jogo essencialmente de apostas, e não de carteado, o pôquer é sem dúvida mais da mente do que da sorte. Segundo jogadores experientes, pode-se ganhar uma disputa com cartas ruins, ou vice versa.”
30 – O que tem a dizer sobre o preconceito com jogos de baralho?
– “Na verdade existe um preconceito a todos os tipos de jogos que possam (pelo menos potencialmente) ser usados para apostas em dinheiro. Pela sua flexibilidade e incerteza isso se aplica a maioria dos jogos com baralhos. Será difícil eliminar esta característica, mas isso não irá (como não foi até agora) fazer desaparecer os baralhos.”
31– O que pode dizer sobre os jogos de baralho na era digital?
“A era digital está, gradualmente, colocando as ‘velhas’ cartas, com suas mesmas figuras em nossos computadores, celulares, etc. Mas, as características básicas de desenho e estrutura são as mesmas dos baralhos inventados no século 14. Sem dúvida uma invenção genial, que ainda deve perdurar por muito tempo!”
32 – Qual a sua relação com a mágica e como se encantou por ela?
– “Passei a gostar de mágica e a praticá-la, sempre como hobby, desde os 15 anos, quando assisti os irmãos Falugi, argentinos que se apresentavam em colégios nos Brasil. Comecei fazendo mágica de palco (na época não havia a mágica de close-up, ou de perto). Logo passei a reviver minha paixão pelas cartas e a cartomagia passou a ser minha principal área de interesse. A partir desse interesse quis conhecer melhor meu principal objeto de apresentações, e passei a colecionar e estudar baralhos.”
33 – O senhor já foi presidente de uma associação internacional de colecionadores de baralho, como foi esta experiência?
– “Como já mencionei fui presidente da International Playing Card Society- IPCS de 2004 a 2008. Sou sócio dessa associação, que reúne os principais estudiosos e colecionadores do mundo, desde 1973. Conhecer pessoalmente, conversar, ler artigos e ter à mão a experiência de grandes autoridades no assunto é muito interessante.”
34 – Quais museus possuem os acervos mais atrativos?
– “Há museus especializados em baralhos, importantes e com acervos representativos, como o já mencionado Deutsches Spielkartenmuseum, na Alemanha, o Musée Français de La Carte à Jouer, perto de Paris, o Nationaal Museum van de Speelkaart, em Turnhout, Bélgica, e o Museo Fournier de Naipes de Álava, em Vitoria, Espanha. Outros museus, como o Museu Britânico, Museu Nacional da França, Victoria & Albert, em Londres, e outros museus gerais, também mantém acervos importantes de baralhos.”
35 – Já pensou em abrir um museu próprio?
“Não. Isso talvez seja uma tarefa para meus descendentes.”
36 – Além dos temas abordados, há algo a mais que queira falar?
– “Acho que as perguntas cobriram uma parte importante e bastante completa do tema, que é fascinante!”
A equipe do Ciência Poker deixa aqui os agradecimentos à Cláudio Décourt pela preciosa entrevista.
Fac-símile de original editado em cerca de 1567, do baralho que deu origem ao baralho internacional, o mais comum utilizado atualmente. O original foi fabricado por Pierre Marechal, da Cidade de Rouen, França. A reprodução é de 2006.
Um dos primeiros baralhos com índices, produzido por Dougherty, dos Estados Unidos em cerca de 1878.
Concepção modern do artista Oliver Peters, para o museu da arte de Luxemburgo Mudam, concebido em 2005. As cartas ilustradas são as damas de espadas e ouros.
Baralhos!!! Origem, história e curiosidades em entrevista com Cláudio Décourt, especialista e colecionador – Primeira parte.
Baralhos!!! Origem, história e curiosidades em entrevista com Cláudio Décourt, especialista e colecionador – Segunda parte.