abril 24, 2025
Entrevistas Personagens

Baralhos!!! Origem, história e curiosidades em entrevista com Cláudio Décourt, especialista e colecionador. Segunda parte.

Segunda parte:

13 – Quais os mais raros?

– “Além do mais antigo (indicado na pergunta seguinte), um dos mais raros foi editado em 1855 na Bélgica, retratando figuras da ópera Lohengrin / Tannhäuser. Poucos exemplares deste baralho são encontrados no mundo. Outra raridade é um exemplar do padrão internacional, editado por Goodall, na Inglaterra, em cerca de 1845, pouco encontrado mesmo em coleções especializadas. Por último, cito uma tentativa do fabricante inglês De La Rue de modificar o desenho de seu padrão internacional, que editava em cerca de 1831. Poucas coleções e museus têm exemplares deste baralho. Alguns baralhos da coleção não são especialmente raros pela edição, mas por sua procedência. Tenho alguns exemplares que pertenceram à coleção de Sylvia Mann, uma das precursoras do colecionismo de baralhos, quando escreveu em 1966 seu livro ‘Collecting Playing Cards’. Foi importante colecionadora e primeira presidente da IPCS.”

 Raro desenho, fabricado na Inglaterra por Charles Goodall, em cerca de 1845, usando o padrão internacional.

14 – Quais os mais antigos?

– “A peça mais antiga da minha coleção é de uma única carta, editada na França em cerca de 1550, por Michel Lacaille. Trata-se de valete de espadas, desenhado no modelo que deu origem ao padrão internacional, que é um dos principais conjuntos de itens da minha coleção. Pela idade e estado de conservação, pode ser considerada uma peça de museu! Para um baralho desta idade é muito difícil conseguir várias cartas, que dirá um baralho completo. Ter uma única carta já é especial!”


Carta original editada em cerca de 1550 por Michael Lacaille. É a peça mais antiga e rara da coleção Décourt.

15 – Onde, no mundo, se encontram as cartas e os baralhos mais antigos e a qual época remontam?

– “O único exemplar completo de um baralho ‘mameluco’, que deu origem aos baralhos europeus, está no museu Topkapi Sarayi em Instambul, datando de 1520, aproximadamente. De janeiro de 2015 a abril de 2016 o Metropolitan Museun of Art, de Nova York exibiu onze dos baralhos considerados os mais antigos do mundo. Abrangeram cartas do período 1430 a 1540, pertencentes a coleções de vários museus e coleções particulares. Ali se encontraram cartas do Landesmuseum Wüttemberg, de Stuttgart (baralho de 1430, o mais antigo da mostra), do Kunsthistorisches Museum de Viena, Áustria, do Deutsches Spielkarten Museum, principal museu de baralhos da Alemanha, da Morgan Library, de Nova York, e do próprio Metropolitan, além de vários outros museus europeus e americanos.”

16 – Qual o valor estimado dos itens mais caros do mundo?

– “Em 06 de dezembro de 1983 o Metropolitan Museum de Nova York pagou cerca de US$120.000,00 pelo original de um baralho holandês, pintado à mão, editado em cerca de 1475. Trata-se de um baralho completo, em excelente estado de conservação, usando como tema a ‘caça’. Cartas avulsas de tarôs importantes foram negociadas em leilões atingindo até US$30.000,00. Baralhos comuns editados em torno do século 18/19 podem atingir em torno de US$800,00 a US$3.000,00, dependendo da raridade e estado de conservação.”

17 – Como o leitor pode reconhecer uma carta rara que, eventualmente, encontre num canto da casa dele?

– “Consulta a um especialista é o melhor caminho. Atenção, porque baralho ‘velho’ não necessariamente é um baralho ‘antigo’ ou raro!”

18 – Como devem ser conservados os baralhos e as cartas?

– “Como a maioria dos artigos de papel: evitar umidade, lugares com sol e com potencial de insetos. Mas, a qualidade do cartão normalmente usado aceita condições relativamente ruins. Meus baralhos são armazenados em gavetas, em lugar protegido do sol e umidade. Mantenho alguns em álbuns especiais, fabricados em material de arquivo, evitando plástico com amaciante, que se deterioram colando nas cartas. Uso estes álbuns há muitos anos, sem nenhum problema.”

19 – Atributos específicos são dados às cartas e aos naipes. Tais atribuições sofreram mudanças ao longo do tempo. Por exemplo: o rei de ouros é atribuído a Júlio César, general romano. O que tem a dizer sobre isto?

– “Atribuir as figuras de baralhos a reis e outras figuras históricas é outra especulação fruto de desinformação. Ocorre que no século 19 um fabricante francês de nome Davi, colocou alguns desses nomes (como Júlio César) nas figuras de um baralho que produziu usando o padrão de Paris, popular até hoje na França. Alguns autores mal informados passaram a especular que estes personagens tivessem sido usados como referência a todas as figuras, de qualquer baralho. Uma ilação no mínimo parcial, já que baralhos existem desde o século 14 e nunca (antes de Davi) mencionaram essas pessoas como retratadas em suas figuras.”

20 – Existe alguma relação dos naipes com as classes sociais?

– “Esta resposta segue a linha da questão anterior. Várias ilações especulativas foram desenvolvidas sobre as origens e desenho das figuras, sendo quase todas meras elucubrações, sem nenhum fundamento lógico. A atribuição de classes sociais aos naipes é uma delas. A razão de serem apenas especulações se explica por remissão ao principal uso dos baralhos: jogos. Pelo que se sabe nenhum jogo conhecido faz menção a classes sociais, em sua estrutura ou regras. Assim, algum escritor romantizou as cartas fazendo essa associação que jamais foi cogitada por algum jogador ou fabricante de baralho. Sem dúvida a hierarquização das cartas, com figuras ‘nobres’ e outras cartas de valores mais ‘plebeus’ sugeriu essa relação, que não passa de imaginação sem fundamento.”

21 – As 52 cartas do baralho e os 4 naipes correspondem às 52 semanas e às 4 estações do ano?

– “Há aqui uma coincidência. O baralho entendido como precursor dos baralhos europeus, concebido pelos mamelucos, já tinha 52 cartas, separadas em quatro naipes de 13 cartas cada um. Isto muito antes de ser inventado o calendário gregoriano, que estabeleceu as 52 semanas em um ano. Por outro lado, a concepção dos quatro naipes vem de uma estrutura equilibrada de jogos, provavelmente desenvolvida pelos mamelucos após um processo de tentativas e erros. Quatro apresenta uma estrutura balanceada de jogadores – nem muitos, nem poucos- tornando as partidas com um bom grau de dificuldade, mas sem perderem seu lado lúdico e de divertimento. Por outro lado, existem vários baralhos regionais europeus que têm outras quantidades de cartas, de acordo com o tipo de jogo a que se destinam. Temos baralhos com 32, 38, 42, 48, 56, 78 (tarôs mais comuns), e até 96 (tarô florentino). Foram feitas várias tentativas a fim de aumentar o número de naipes para cinco, seis e até oito! Todos eles, no entanto, foram grandes fracassos comerciais, por apresentarem uma estrutura desequilibrada, tornando os jogos com eles concebidos de complexa execução.”

22 – Por qual motivo o ás de espadas é a única carta que não segue os mesmos padrões dos outros três ases do baralho?

– “No século 17 a Inglaterra estava envolvida em várias guerras, e o reinado daquele país precisava de recursos. Como todo governo (até hoje!) passou a cobrar impostos sobre produtos que vendem mais. Baralhos eram, então, um artigo muito popular, vendido em grandes quantidades. A forma de certificar que estes impostos eram pagos foi durante muito tempo feita através de vários tipos de carimbos estampados sobre várias cartas. No início do século 19 adotou-se um método incomum, tendo em conta haver várias falsificações desses carimbos: os fabricantes produziam todas as cartas do baralho, exceto o ás de espadas. Estas cartas eram produzidas por um fabricante específico, contratado pelo governo. Para completar seus maços cada fabricante tinha que ‘comprar’ esta carta do fornecedor oficial. Esta compra certificava o pagamento do imposto. A prática existiu até c.1865, quando foi abolida, passando o imposto a ser controlado pelos invólucros dos baralhos. Mas, a prática de manter o ás de espadas com desenho especial se manteve como tradição de vários fabricantes ingleses, depois seguida por fabricantes americanos, e hoje praticamente todos que têm em suas produções baralhos do tipo ‘internacional’, (como os usados em pôquer) mantém seus ases de espadas destacados daqueles de outros naipes.”

23 – Qual a situação mais engraçada e curiosa, que conhece sobre este tema?

“Uma curiosidade está ligada aos ases de espadas. A falsificação desta carta no período em que servia de controle ao pagamento dos impostos era punida com pena de morte, por enforcamento. Embora se tenha registro de apenas um caso em que esta sinistra pena foi aplicada, o ás de espadas passou, em vários lugares, a ser chamado de ‘carta da morte’. Vários países do oriente (como Vietnam e Coreia) têm restrições ao ás de espadas, que consideram amaldiçoado!”

(ilustração)
“…o ás de espadas passou, em vários lugares, a ser chamado de ‘carta da morte´…”

24 – Saberia listar algumas profissões que de alguma forma estão ligadas a baralhos?

– “Croupiers, jogadores, mágicos, leitoras de sorte, talvez sejam as mais populares.”

 


Baralhos!!! Origem, história e curiosidades em entrevista com Cláudio Décourt, especialista e colecionador. – Primeira parte.


Baralhos!!! Origem, história e curiosidades em entrevista com Cláudio Décourt, especialista e colecionador. – Terceira parte.

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